"Primeiramente, gostaria de parabenizar os autores pelo desenvolvimento de um trabalho muito relevante e pertinente, o qual desnuda explicitamente questões sobre racismo velado, estrutural e institucional. Atualmente, com o caso do assassinato de George Floyd por parte da instituição policial, populações negras Norte-americanas tem desencadeado processos antirracistas que receberam apoio de diversas nacionalidades e indústrias, como a fonográfica, cinematográfica, entre outros, tendo essas instituições bastante poder e voz sobre as massas sociais. Sobre as questões de poder e racismo, existe um estudo da prisão de Stanford, sendo esse um famoso experimento controverso de psicologia social realizado em 1971, que tentou investigar os efeitos psicológicos do comportamento humano em uma sociedade na qual os indivíduos são definidos apenas pelo grupo, concentrando-se na luta entre prisioneiros e agentes penitenciários. Foi realizado na Universidade de Stanford entre 14 e 20 de agosto de 1971, por um grupo de pesquisa liderado pelo professor de psicologia Philip Zimbardo, usando estudantes universitários (https://www.jovemcomciencia.com/2019/02/o-experimento-da-prisao-de-stanford-como-o-poder-transforma-as-pessoas.html). Os resultados inesperados foram completamente dramáticos por conta das relações de poderes institucionais relacionados aqueles que ditavam a regra. Dito isso, gostaria de saber a visão de vocês autores sobre o papel das relações de poderes presente no sistemas prisional brasileiro e o suas consequências diretas na manutenção do racismo mediante as difíceis e limitadas ações de reparação histórica. Obrigado."
Enviada em 29/10/2020 às 18:49:08 horas.
RESPOSTA DO AUTOR:
"Agradecemos pelo comentário enriquecedor e pela excelente pergunta.
Num primeiro momento é importante destacar que o racismo institucional inicia-se muito antes de a pessoa adentrar ao sistema prisional.
As estatísticas demonstram que a população preta ainda é abordada de forma mais dura e violenta e representa a maioria das mortes em operação policial. Além disso, ao falar de tráfico de drogas, por exemplo, negros apreendidos com pequena quantidade de drogas são condenados, enquanto brancos com grandes quantidades tem maiores possibilidades de absolvição e até mesmo de considerarem a droga como para consumo pessoal.
Ao observar a estrutura do Poder Judiciário, também encontramos uma baixa representatividade de pessoas negras (até o ano de 2015, aproximadamente 15,6% - dados no Instituto Gemaa) e por vezes isso reflete diretamente na sentença proferida, como recentemente observado em uma sentença proferida por uma juíza no Paraná, que afirmava que o réu era “seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça (...)” (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/08/13/decisao-de-juiza-no-pr-e-reflexo-de-racismo-no-judiciario-avaliam-juristas.htm?cmpid=copiaecola). Ressaltando que tal frase estava incluída no parágrafo que justificava a dosimetria da pena. Apesar da expressão claramente racista utilizada na sentença, o processo disciplinar contra a juíza já foi arquivado.
Nesse viés, a distribuição dos papéis das relações de poder encontra-se muito antes do ingresso do sujeito ao sistema prisional. Essa distribuição de papéis de poder já está presente nos primeiros atos de racismo enfrentados na infância, na medida em que o sistema educacional prega um mundo embranquecido e apaga os símbolos de cultura e resistência negra.
Esses papéis foram desenhados, estabelecidos e estereotipados no decorrer de um processo histórico, no qual a população negra foi excluída da sociedade e colocada à margem, diante de uma omissão histórica do Estado, que não prevê em nenhum momento políticas reparatórias para que os mesmos sejam inseridos social, cultural e politicamente, o que aprofunda a desigualdade social. Podemos percebe ainda a minimização do racismo, insistindo na falácia da democracia racial, resultando assim na naturalização de discursos, linguagens, “brincadeiras” racistas na sociedade, que são vistas como reclamações, vitimização, “mimimi”, sem considerar que determinados sofrimentos, sentimentos só pode ser sentido pelos negros, senão caímos no perigo de desqualificar, desautorizar, minimizar, não percebendo o privilégio branco de sempre em nossa sociedade.
Dentro desse contexto, observam-se as máculas geradas à subjetividade dos sujeitos, quer sejam eles pretos ou não, formando egos distorcidos e opostos, divididos entre opressor e oprimido. E a cada vez que esse ciclo se repete (menos oportunidades sociais e de trabalho + perseguição policial + condenação por um sistema parcial em racialidades + tratamento diferenciado negativo no sistema prisional), este estereótipo é reforçado e perpetuado.
Trazer à luz o racismo internalizado é o caminho para possibilitar a construção de uma sociedade que compreenda os condicionamentos propostos por uma educação eurocêntrica e embranquecida e adote uma educação verdadeiramente antirracista, tanto no ensino básico como em todas as instituições, reformulando os padrões de julgamento racial aplicados."
Respondida em 30/10/2020 às 00:55:50 horas.